Se São Paulo se vende e é vista como uma metrópole cosmopolita, não é à toa.
Enquanto as capitais do litoral, como Salvador e Rio de Janeiro, cresceram como centros do poder ao longo da Colônia e do Império, é só a partir da segunda metade do século 19 que São Paulo começa a ser pujante.
O período coincide com a chegada de imigrantes europeus. O fim do tráfico negreiro, em 1850, e a abolição da escravatura, em 1888, ocasionaram a entrada em cena de trabalhadores estrangeiros.
Primeiro, na lavoura do café, principal produto da economia nacional então; depois, na nascente indústria que surgia para atender o público urbano que se incrementava.
As estradas de ferro também contribuíram para trazer a São Paulo, como a outras cidades distantes da costa, novidades da Europa.
Essas não se limitavam a transportar em baús de Paris figurinos para a alta sociedade; as cargas incluíam maquinário para a lavoura e a indústria —e também elementos estruturais e decorativos para construir os salões onde as classes elegantes se exibiam.
Esse momento particular em que se combinam excedente econômico e elementos importados tem, na arquitetura, um reflexo claro, que se impõe ao longo das duas primeiras décadas do século 20.
O fausto da época se traduz em fachadas elaboradas, ornadas com elementos variados. Uns parecem vir de templos gregos; outros, de palácios renascentistas.
O estilo conhecido como eclético abarca quase tudo que enche os olhos de quem visita monumentos da cidade —exemplos notáveis são o Museu Paulista, de 1895, e o Theatro Municipal, inaugurado em 1911.
A palavra “eclético”, empregada comumente para definir uma mistura variada, vem do grego “eklektikos”, que significa “que escolhe”. Esse é o espírito do ecletismo em arquitetura: escolher o melhor e o mais verdadeiro de diferentes estilos e reuni-los de forma harmoniosa.
Ora, se o que se juntava era o melhor daqui e dali, tal resultado não poderia ser senão ótimo —esse era o suposto. Seria, contudo, verdadeiro?
O estilo eclético pode ser visto como uma espécie de fantasia arquitetônica. Essa característica se fortalece quando, aos poucos, ele migra da escala dos grandes prédios públicos —teatros, fóruns, mercados— para as construções residenciais.
Somam-se aos elementos historicistas, vindos de arquiteturas do passado —do período clássico, do gótico, da corte francesa dos Luíses—, outros, identificados com diferentes nacionalidades, por engenho dos mestres de obras estrangeiros ou por encomenda de imigrantes enriquecidos.
Arcos em ferradura típicos da arquitetura árabe e as decorações em estuque de ar toscano, as travas de madeira que compõem as casas normandas e, por que não, os elementos do neocolonial brasileiro, numa tentativa de resgate de identidade, vão, assim, passando a integrar a paisagem paulistana.
Os primeiros ventos modernistas, que sopraram a partir do fim dos anos 1920, não varreram tão rapidamente o gosto eclético. Porém, com o passar do tempo, considerado impuro —visto não como “um período na história, mas um hiato nessa história”, nas palavras de Lucio Costa—, o ecletismo perdeu muitos exemplares para as marretas. Exemplo são todos os casarões que vieram abaixo na avenida Paulista.
Coisas belas, porém, ainda persistem como registro desse período formativo da cidade.
Parque Residencial Savoia
Essa vila na Barra Funda mostra que o ecletismo não era reservado só aos monumentos. Foi erguida em 1939 pelo engenheiro Arnaldo Maia Lello, por encomenda do polonês Salvador Markowicz, que ali instalou a família. Os ares e o nome italianos são homenagem à mulher de Markowicz, que vinha de Turim, terra dos Savoias.
R. Vitorino Carmilo, 453, Barra Funda.
Museu Paulista
Por ora só pode ser visto de fora. Mesmo assim, do Parque da Independência é possível apreciar características claras do estilo eclético, como a simetria da fachada, com elementos neoclássicos: as colunas e o frontão. Inaugurado em 7 de setembro de 1895, deve ser reaberto na mesma data, em 2022.
Parque da Independência - Av. Nazaré, s/nº, Ipiranga.
Palacete Rosa
A cor da fachada deu o apelido ao casarão construído, entre 1928 e 1935, por David Jafet, membro
de uma família libanesa que fez fortuna no ramo têxtil e dominou a região com 22 palacetes —esse foi o único a trazer para a arquitetura as origens do proprietário. Não está aberto à visitação, mas do exterior é possível se deslumbrar com detalhes dessa fantasia mourisca, que incluem uma torrezinha ao estilo de um minarete.
R. Bom Pastor, esquina com a r. Patriotas, Ipiranga.
Casa da Boia
Raro caso de imóvel comercial que manteve sua vocação. Desde 1909, quando foi inaugurada, vende materiais hidráulicos. Sua fachada é enfeitada com elementos mitológicos e conta com gradis de ferro fundido com traços art nouveau. Tanto rebuscamento não era apenas para atrair fregueses interessados em sifões. A família do imigrante sírio de origem armênia Rizkallah Jorge Tahan habitava o sobrado, ficando o térreo reservado ao comércio. A casa tem visitas guiadas periódicas.
R. Florêncio de Abreu, 119, centro.
Theatro Municipal
Estátuas, cariátides, mármores, colunas, vitrais, uma cúpula imponente. O impressionante Theatro Municipal, construído entre 1903 e 1911, tem seu modelo, como outros da época, na Ópera de Paris. Seu criador, Ramos de Azevedo (1851-1928) —que, no Municipal, teve a colaboração dos italianos Claudio Rossi e Domiziano Rossi—, foi um dos expoentes do ecletismo, assinando vários monumentos no estilo, como a Pinacoteca (restaurada por Paulo Mendes da Rocha e Eduardo Colonelli), o Mercado Municipal
e o Palácio da Justiça.
Pça. Ramos de Azevedo, s/nº, República.
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