Descrição de chapéu Descubra sãopaulo 2020

Cozinha asiática ganha mais força e diversidade em São Paulo

Capital abraça o continente com renovação de restaurantes japoneses e chegada de casas vietnamitas

São Paulo

A chegada de outras cozinhas asiáticas à Liberdade, bairro da região central conhecido por ser o reduto da cultura japonesa em São Paulo, é um sinal da crescente diversidade desses restaurantes na cidade.

Um dos melhores lugares para observar essa variedade é a rua Thomaz Gonzaga, a três quarteirões da estação Liberdade, da linha 1-azul do Metrô.

Carne de wagyu grelhada com ervilha e wasabi do Aizomê, no Jardim Paulista
Carne de wagyu grelhada com ervilha e wasabi do Aizomê, no Jardim Paulista - Keiny Andrade/Folhapress

Ali, além de clássicos japoneses (o Hinodê, por exemplo), ficam também casas com receitas de Taiwan (Noodle Shop e Petiscos do Tigrão) e de cozinha tailandesa (Thai Chef).

Um cenário diferente era visto no início do século 20, quando os primeiros membros da comunidade japonesa se fixaram na Liberdade, “região considerada tabu e mais barata, onde escravos fugidios eram punidos e executados”, diz Telma Shiraishi, 49, chef do restaurante Aizomê, no Jardim Paulista.

Ao abrir os primeiros negócios na região, parte dos japoneses, inclusive, fazia-se passar por chineses, afirma Shiraishi, embaixadora para difusão da culinária japonesa no Brasil.

Uma da razões do “preconceito amarelo” daquela época, conta ela, foi a posição adotada pelo Japão na Segunda Guerra Mundial —ao lado da Alemanha nazista.

Entre 1950 e 1985, graças à presença de cinemas japoneses, a região começou a ser frequentada por um grupo de intelectuais que encontrava nos restaurantes uma extensão da cultura exibida nas telas —entre eles, Antunes Filho, Haroldo de Campos e Walter Hugo Khouri.

“Eles viam filmes japoneses como forma de se atualizar. Muitos recomendavam os restaurantes e foram divulgadores dessa culinária”, diz Jo Takahashi, 66, ex-diretor da Fundação Japão em São Paulo.

Mas foi por volta da década de 1980 que a cozinha japonesa em São Paulo começou a se tornar popular fora da comunidade, sob influência de um movimento de comida saudável vindo da costa oeste americana. 

“O trânsito entre a Califórnia e o Japão era mais fácil, e imigrantes começaram a preparar a culinária nos EUA. Essa cozinha chegou ao Brasil com todos os adicionais americanos: cream cheese, avocado, pimenta-jalapeño”, diz Shiraishi. 

Agora, novas casas buscam destacar as peculiaridades culinárias de diferentes regiões do Japão, afirma a historiadora Adriana Salay, 35. “Assim como a italiana, a cozinha japonesa estabelece uma ligação profunda com seu território e cria possibilidades regionais”, diz Salay, pesquisadora de alimentação.

Isso inclui a abertura de restaurantes que se dedicam a uma especialidade, a exemplo do que acontece no Japão. “É uma tradição que os japoneses chamam de ‘shokunin’, um artesão que é como um serralheiro, com arte e ofício nas mãos. No Japão, isso se estende à gastronomia”, diz Takahashi.

Para ele, a tendência é que menos restaurantes abram as portas com um cardápio muito abrangente. Como exemplo, cita a expansão das casas de lamen na cidade.

“Elas querem oferecer a receita perfeita, muitas vezes com uma fórmula trazida do Japão. Isso também está acontecendo com izakayas [botecos]”, diz Takahashi, que está escrevendo um livro sobre lamens.

Nos arredores da Liberdade, outra cozinha asiática começa a ter um entrosamento maior com a cidade: a vietnamita.

O Bánh Mì Vietnam abriu há três anos na Bela Vista, a princípio com um público de pessoas que já haviam visitado o país e conheciam a cozinha.

Graças ao boca a boca, a casa ficou mais conhecida fora do circuito de entendidos.

“Vimos, então, a reação de quem provou pela primeira vez. Foi uma surpresa grata”, conta o dono, o vietnamita Yann Dupierre, 29. 

Na hora de atrair novos fregueses, ajuda o fato de a cozinha do Vietnã ser leve e equilibrada, diz Dupierre. “Há elementos em comum com a tailandesa, como o uso de amendoim, coentro, ervas frescas e verduras. Mas a vietnamita não é tão apimentada.”

Basta fazer uma curta caminhada para encontrar outra opção de cozinha vietnamita na Bela Vista, o Little Saigon. Há, ainda, uma outra, não muito longe dali: o Bia Hoi fica a 15 minutos de carro, na República.

 

O restaurante oferece cozinha vietnamita de rua, com atenção especial ao serviço. “A casa assumiu o papel de ser didática, de traduzir. Damos detalhes sobre a história do prato e, assim, o cliente fica mais à vontade para experimentar”, diz a proprietária, Dani Borges, 39.

Para ela, a cozinha vietnamita passa por um processo parecido com o que já aconteceu com a coreana.

“As pessoas começaram a se sentir mais à vontade quando abriram restaurantes de proposta mais moderna, que tornaram acessível o que antes era um mistério. O Komah é um deles”, afirma.

A cena de restaurantes coreanos nos anos 1990, na qual cresceu o chef do Komah, Paulo Shin, 33, era bem diferente, centrada em empreendimentos familiares “com a matriarca na cozinha e o filho trabalhando no caixa”. “Restaurantes no Bom Retiro, Pari e Brás, bairros que são polos coreanos, atendiam, em geral, a essa comunidade.”

Quando abriu o Komah, há três anos e meio, Shin queria apresentar a cozinha daquele país para quem não a conhecia. Hoje, cerca de 60% do público que chega ao restaurante é novato. “Tem uma aceitação muito forte do paulistano. Os clientes saem abraçando os sabores, mesmo os da fermentação, mais intensos”, diz Shin.

Outro fator que contribui para a popularização dessa cozinha é a intensa produção cultural do país. A chamada onda coreana é movida por bandas de k-pop, séries de televisão (k-dramas) e filmes. Só o 
longa “Parasita”, de Bong Joon-ho, recebeu seis indicações ao Oscar 2020 e acumula a Palma de Ouro em Cannes e o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro.

“Há 30 anos a Coreia do Sul parecia um país distante. Hoje, você ouve música coreana em rádio brasileira. Nossa cultura é uma força que a gente não imaginava, e isso está ajudando a gastronomia também”, diz João Son, 46, pesquisador que está preparando um livro sobre cozinha coreana no Brasil.

Com as transformações, muitos restaurantes começaram a adotar menu em português, o que antes era raro, e ter um serviço direcionado ao público brasileiro. Mudanças que coincidiram com a chegada de novas gerações no comando das casas.

É o caso de Gregório Kang, 27, chef do Bicol, restaurante coreano na Aclimação que foi fundado por seus avós.“Temos interesse em receber todos os públicos.”

Fazer com que o freguês paulistano prove um novo sabor pela primeira também é um desafio que a comida tailandesa enfrenta na cidade. “Muitas vezes, os restaurantes têm de fazer modificações para conseguir entrar no mercado. Quando os clientes provam, gostam e querem voltar”, diz Deumas Oliveira, 51, professor do curso de gastronomia do Senac.

“Em muitos casos, nosso trabalho é diferenciar a culinária tailandesa das outras asiáticas”, diz Pedro Yung Yoon, 42, proprietário do Thai Chef, aberto em 2016.

Na hora de experimentar, a primeira coisa que todo mundo tem medo é da pimenta, afirma Yoon. Mas, mesmo assim, ele considera um erro amenizar a picância ou retirar o coentro das receitas. O restaurante, que fica na Liberdade, só “customiza” um prato se o cliente solicitar. “Quando ele pede isso, sabe que a receita perderá um pouco das características, que será menos autêntica.”

Outro problema enfrentado por tailandeses é o preço, na opinião de Yoon. “As pessoas viajam e comem com pouco dinheiro em Bancoc. Mas, no Brasil, é difícil chegar àquele preço usando ingredientes importados. Até nosso leite de coco vem da Tailândia.”

Outra cozinha que ainda está à procura do seu espaço na cidade é a chinesa. “Ela tem volume, se você considerar o fast food. Mas é uma referência de cozinha chinesa que foi popularizada nos Estados Unidos”, diz Lin Zhen Li, 43, do restaurante Kar Wua, em Pinheiros, que completou 33 anos.

“Existem também os restaurantes tradicionais, que sempre foram conhecidos como locais de pratos fartos para dividir. Mas as famílias estão diminuindo, e o consumo desse tipo de refeição também”, diz Zhen.

Com a intenção de apresentar a diversidade da cozinha chinesa, o Kar Wua dispõe de um menu-degustação que muda a cada três meses e oferece um panorama das regiões do país, com ênfase na sul, de onde veio a família que fundou a casa.

“Temos pescadores do rio e do mar e uma riqueza de ingredientes que possibilita muitas criações.” 

Uma boa parte dos alimentos, porém, vem de produtores locais. “É importante respeitar o que vem desta terra e não simplesmente fazer uma réplica. Para cozinhar, precisamos entender um pouco de sazonalidade”, afirma Zhen.

ONDE COMER 

CHINÊS

Kar Wua

R. Mourato Coelho, 44, Pinheiros, tel. 3081-1581. Seg. e ter.: 11h30 às 15h. Qua. a sáb.: 11h30 às 16h e 18h às 22h. Dom.: 11h30 às 16h30.

COREANOS

Bicol

R. José Getúlio, 422, Aclimação, tel. 3208-4123. Seg. a ter.: 12h às 14h30 e 17h45 às 21h30. Qua. a sex.: 12h às 14h30 e 17h45 às 22h. Sáb.: 11h30 às 15h e 17h30 às 22h. Dom.: 11h30 às 15h e 17h30 às 21h15.

Komah

R. Cônego Vicente Miguel Marino, 378, Barra Funda, tel. 3392-7072. Seg. a qua.: 18h30 a 0h. Qui. a sex.: 18h30 a 1h. Sáb.: 17h a 1h.

JAPONESES

Aizomê

Al. Fernão Cardim, 39, Jardim Paulista, tel.3251-5157. Seg. a sex.: das 12h às 14h30 e 18h30 às 23h. Sab.: 18h30 às 23h.

Yorimichi

R. Otávio Nébias, 203, Paraíso, tel. 3052-0029. Seg. a sáb.: 18h30 às 0h30.  

TAILANDÊS 

Thai Chef 

R.  Thomaz Gonzaga, 45 D,  Liberdade, tel. 3132-3824. Ter. a sex.: 11h30 às 15h30 e 18h30 às 22h30. Sáb. a dom.: 11h30 às 16h30 e 18h30 às 22h30.

VIETNAMITAS

Bánh Mì Vietnam

R. Doutor Seng, 44, Bela Vista, tel. 97754-1856. Qua. a sex.: 12h às 16h e 18h às 22h. Sáb.: 13h às 16h e 19h às 22h (somente com reserva).

Bia Hoi

R. Rego Freitas, 516, República, tel. 3151-2508. Ter. a sex.: 12h às 14h30 e 19h às 23h30. Sáb.: 12h às 17h e 19h às 23h30. Dom.: 12h30 às 17h. 

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