Antes de existir como nação, estados independentes da Itália pouco compartilharam de sua cultura —e, portanto, de suas tradições culinárias.
Particularidades regionais são acentuadas em função de uma topografia rica e diversa, que agrega planícies, áreas montanhosas, uma larga costa e variadas zonas climáticas.
Ainda que haja antagonismos, um eixo comum —e vital— unifica essa cozinha: o estilo familiar de prepará-la.
A seguir, é possível conhecer as características de algumas regiões e identificar receitas —com ou sem adaptações —que podem ser encontradas em São Paulo, essa cidade que desabrochou na presença de imigrantes e, portanto, tem certa alma italiana.
Sardenha
Muitos fatores contribuem para a diversidade da cozinha dessa ilha extensa, banhada pelo mar Mediterrâneo, com personalidade particular, tais quais as condições topográficas (costa e montanhas) e as influências dos povos invasores.
De um mar rico saem peixes, moluscos e crustáceos. Pães, queijos e castanhas (amêndoas, avelãs, nozes) eforçam a amostra que, em determinados períodos do ano, também listam carnes de animais como pombos, javali e patos.
Nascido na Sardenha, o chef Salvatore Loi fez fama no Fasano ao chegar ao Brasil e hoje está à frente do restaurante Mondo, para o qual trouxe de sua região a fregola com frutos do mar.
Trata-se de uma massa fresca, sem ovos, no formato de bolinhas irregulares, parecidas com um grão-de-bico. Primeiro é torrada (em intensidades variadas para ampliar a gama de sabor) e depois hidratada em água fervente.
"É como um cuscuz mais grosso, herança da colonização árabe, e deve ser preparada igual a um risoto, mexendo sempre, para incorporar todos os sabores", diz Loi.
A massa é agregada a uma panela com frutos do mar (camarão, vieira e lulas), legumes cortados em cubinhos, de modo a não ultrapassar o tamanho da massa (abobrinha, salsão, cenoura) e caldo de peixe.
Para finalizar, tomate-cereja, manjericão e salsinha frescos —e azeite.
Mondo - R. Oscar Freire, 30, Jardins, tel. 3061-2787. Seg. a qui.: 12h às 15h e 19h às 24h. Sex.: 12h às 15h e 19h à 1h. Sáb.: 12h às 17h e 19h à 1h. Dom.: 12h às 17h.
Campânia
Localizada no sul da Itália, seu solo vulcânico, apropriado para cultivar frutas e legumes, levou napolitanos a serem conhecidos como "comedores de folhas".
É dessa região também o famoso tomate San Marzano, estreito e alongado, com polpa firme e pouca água. A cozinha da capital, Nápoles, atrai viajantes desde outrora.
Destacam-se as pizzas à semelhança do que André Guido, da Leggera, na Pompeia, reproduz aqui.
A massa, de sabor complexo com leve acidez, é bem hidratada e manipulada somente com as mãos.
Depois de submetida a um calor agressivo —em um forno napolitano que alcança 480°C— resulta deliciosamente elástica, com bordas gorduchas, com alvéolos, e um provocante tostado.
Pode receber molho de tomate, combinado a manjericão fresco, que perfuma o conjunto da obra, e mozarela, o queijo mais emblemático da região.
Também virou marca dali o espaguete ao vôngole, como José Alencar de Souza faz há quase 30 anos em seu Santo Colomba. Sua receita segue coordenadas clássicas: massa seca com vôngole fresco, alho, azeite, salsinha e vinho branco.
No Pettirosso, Marco Renzetti incrementou essa base com mexilhões —e usa linguine, cujo cozimento se dá no caldo das conchas. A única gordura que acrescenta é um tantinho de azeite.
Leggera Pizza Napoletana - R. Diana, 80, Pompeia, tel. 3862-2581. Ter. a qui.: 19h às 23h. Sex. e sáb.: 19h às 23h30. Dom.: 19h às 22h.
Santo Colomba - Al. Lorena, 1.157, Jardim Paulista, tel. 3061-3588. Seg. a sáb.: 12h às 15h e 19h às 23h30. Dom.: 12h às 16h.
Pettirosso - Al. Lorena, 2.155, Jardim Paulista, tel. 3062-5338. Ter. a qui.: 12h às 15h e 19h às 23h. Sex.: 12h às 15h e 19h às 23h30. Sáb.: 12h às 16h e 19h às 23h30. Dom.: 12h às 16h30.
Lácio
Ponto de convergência entre Norte e Sul do país, tem cozinha na qual sobressaem temperos cítricos e a presença do alho —ainda que italianos dispensem ou amenizem esse ingrediente em muitos preparos.
Solo fértil acolhe produção de frutas e hortaliças.
São dessa região várias das receitas facilmente assimiladas pelos brasileiros —cacio e pepe, carbonara, amatriciana.
No cardápio da Tappo, na Consolação, que valoriza a simplicidade da cozinha caseira, o cacio e pepe leva queijo pecorino e pimenta-do-reino, ambos sabores herdados dos romanos antigos, e aproveita a água do cozimento para dar cremosidade ao todo, como manda o figurino.
O mesmo mecanismo se repete no espaguete à carbonara, que recebe gema de ovo, queijo (pecorino e parmesão), pimenta-do-reino moída na hora e papada de porco salgada.
Aqui, usa-se a pancetta, que, sem passar por defumação, conserva certa suavidade no sabor e funciona como bom substituto.
Sobretudo em Roma, capital, nota-se uma cozinha apoiada em poucos ingredientes e execuções.
"É uma cozinha absolutamente trivial, rústica, rudimentar", diz o italiano Marco Renzetti, do Pettirosso.
Ali ele faz pratos clássicos de sabor rico, como a tripa à la romana, uma dobradinha refogada com tomate fresco e finalizada com folhas de hortelã e pecorino ralado; e o saltimboca de vitela.
Depois de assar a paleta do animal em baixa temperatura, cubos suculentos da carne são envolvidos no presunto. Refoga-se, então, na manteiga com vinho branco, sálvia e um pouco de farinha.
A rabada ao vinho tinto que, desfiada integra um croquetão, empanado e assado ao forno. Foge da apresentação tradicional, mas respeita o sabor original.
Tappo - R. da Consolação, 2.967, Cerqueira César, tel. 3063-4864. Ter. a qui.: 12h às 15h e 19h às 24h. Sex.: 12h às 15h e 19h
às 24h30. Sáb.: 12h30 às 16h e 19h30 às 24h30. Dom.: 12h30 às 17h.
Pettirosso - Al. Lorena, 2.155, Jardim Paulista, tel. 3062-5338. Ter. a qui.: 12h às 15h e 19h às 23h. Sex.: 12h às 15h e 19h às 23h30. Sáb.: 12h às 16h e 19h às 23h30. Dom.: 12h às 16h30.
Piemonte
Na base dos Alpes, essa área é marcada por invernos rigorosos, que inspiram uma cozinha mais robusta e calorosa, rica em carnes de caça e vegetais, como aspargos e alcachofras.
No passado, uma cozinha muito pobre, na qual pão e batatas eram frequentes, convivia com uma cozinha da aristocracia, influenciada pela França.
No Gero, do grupo Fasano, fez história o bollito misto, um cozido italiano, de sabor complexo, cujas carnes (língua, vitela, carne-seca, ossobuco e embutidos) são cortadas num carrinho no salão, à frente do cliente.
Servido às sextas, com legumes, a receita é antecedida por um cappelletti in brodo. É com ele também que se faz o "piará", um pirão de farinha de rosca de sabor incrementado pela untuosidade do tutano.
No Così, em Santa Cecília, Renato Carioni não segue à risca o protocolo de nenhuma região, mas acolhe em seu cardápio itens que flertam com essa região do norte, como o crudo com maionese trufada (de Alba) e o escalope —mais alto e rosado que o habitual— com um empanamento rústico, com farinha de rosca.
É servido com capellini no molho de parmesão e trufa, estas também do Piemonte.
Gero - R. Haddock Lobo, 1.629, Jardins, tel. 3064-6317. Seg. a qui.: 12h às 15h30 e 19h às 24h. Sex. e sáb.: 12h às 16h30 e 19h à 1h. Dom.: 12h às 16h30 e 19h às 24h.
Così - R. Barão de Tatuí, 302, Santa Cecília, tel. 3826-5088. Seg. a qui.: 12h às 15h e 19h às 23h. Sex.: 12h às 15h e 19h às 24h. Sáb.: 12h às 16h e 19h às 24h. Dom.: 12h às 17h.
Ligúria
Embora seja mais uma região da Itália que conjugue mar e montanha, a área interiorana tem a particularidade de acolher hortas ricas, com saladas silvestres e ervas aromáticas, beneficiadas pelo clima temperado e pela maresia.
Ainda que tenha uma costa extensa, sua cozinha não se aprofundou nos frutos do mar —mas há bons mexilhões e peixes. Ali também há o hábito de cristalizar frutas, herdado dos árabes e o azeite, extraído de olivais viçosos, é a gordura mais comum.
Na Vinheria Percussi, há 34 anos em operação, Silvia Percussi exibe uma boa amostra dessa cozinha, cujas receitas podem ser combinadas com vinhos da mesma região. "Fazemos o nhoque ao pesto, com aquele manjericão grande, pinoli, azeite e queijo pecorino", diz a chef, que prepara uma massa texturizada com batatas assadas, de modo a absorver mais o molho.
A focaccia está integrada ao couvert e, a cada fim de semana, tem um sabor diferente, como o de azeitonas e tomates.
Vinheria Percussi - R. Cônego Eugênio Leite, 523, Pinheiros, tel. 3088-4920. Ter. a sex.: 12h às 15h e 19h às 23h. Sáb.: 12h às 16h30 e 19h às 24h. Dom.: 12h às 16h30.
Calábria
A geografia da Calábria, ao sudoeste da península, a isola entre mar e montanhas e também colabora para preservar a cultura local, não muito exportada.
O estilo de vida mais rústico leva a uma cozinha baseada na autossuficiência e em alimentos rústicos, locais e selvagens —carnes de caça, cogumelos, molhos condimentados, marinadas. Não são inexistentes, porém, pontos em comum com outras regiões, como a forte produção de cítricos e o protagonismo da berinjela e do porco.
No TonToni, Gustavo Rozzino flerta mais intensamente com o norte da Itália, mas ao ceder ao seu fraco pelos frutos do mar abundantes ao sul, entrega receitas como o orechiette alla marinara, com camarão e polvo, fatias finas de lula, pancetta e nduja.
Esta última é especialidade da Calábria, uma salsicha apimentada, de papada de porco, mais gorda, com pimenta calabresa. Essa linguiça geralmente enriquece molhos de tomate, mas na região também "passam na torrada como se fosse manteiga", diz Rozzino.
Rafael Lorenti, da quinta geração da família fundadora da padaria Basilicata e à frente do restaurante que hoje funciona no mesmo espaço, no Bexiga, também se dedica à cozinha do sul.
Toma emprestada de sua avó calabresa a receita do bacalhau molicata, cujo preparo mistura aparas de bacalhau com miolo de pão, tomate picado, cebola e alcaparra —que juntos vão ao forno.
Traduz bem a origem pobre dessa cozinha que dependia de mecanismos para render, como o uso do pão amanhecido que, ralado, frito e temperado com parmesão, alho, azeite e nozes, é transformado ali numa crocante e versátil molica também usada para polvilhar o fusilli calabresa, com ragu de linguiça fresca e curada na casa.
TonToni - Al. Joaquim Eugênio de Lima, 1.537, Jardins, tel. 3051-4750. Ter. a qui.: 12h às 15h e 19h às 23h. Sex.: 12h às 15h e 19h às 23h30. Sáb.: 12h às 16h e 19h às 23h30. Dom.: 12h às 17h.
Restaurante Basilicata - R. Treze de Maio, 596, Bela Vista, tel. 3289-3111. Ter. a qui.: 12h às 15h30 e 19h30 às 23h30. Sex. e sáb.: 12h às 16h e 19h30 às 24h. Dom.: 12h às 17h.
Lombardia
Símbolo do crescimento econômico da Itália, trata-se de uma região que preserva produtos agrícolas e modos de preparo tradicionais, que incrementam economia e cultura locais.
Em sua cozinha, outrora marcada pelo consumo diário de polenta por camponeses oprimidos, que tinham acesso restrito à carne, manteiga prevalece sobre azeite, arroz sobre as massas e os queijos são de qualidade cobiçada.
No Evvai, Luiz Filipe Souza faz uma homenagem a Gualtiero Marchesi (1930-2017), considerado o chef fundador da moderna cozinha italiana.
Ele parte do típico risoto milanês, de açafrão, cuja versão de Marchesi com uma folha de ouro tornou-se icônica. A brincadeira está em entregar um prato esteticamente igual ao original, mas, no lugar da folha de ouro, Luiz Filipe acomoda uma folha de arroz sob a qual esconde um purê rústico de mandioca, bem amanteigado.
Também recebe um toque cítrico o risoto milanês que acompanha o ossobuco de vitela colagenoso e macio, que Salvatore Loi faz no Mondo. No Vicolo Nostro, cujo ambiente simula uma viela italiana, o ossobuco é vigoroso —servido com osso, o tutano pode ser pinçado e dar untuosidade ao todo.
Evvai - R. Joaquim Antunes, 108, Pinheiros, tel. 3062-1160. Seg. a qui.: 19h às 0h. Sex. 12h às 15h e 19h a 1h. Sáb.: 12h às 16h e 19h à 1h. Dom.: 12h às 17h.
Mondo - R. Oscar Freire, 30, Jardim Paulista, tel. 3061-2787. Seg. a qui.: 12h às 15h e 19h às 24h. Sex.: 12h às 15h e 19h à 1h. Sáb.: 12h às 17h e 19h à 1h. Dom.: 12h às 17h.
Vicolo Nostro - R. Jataituba, 29, Vila Gertrudes, tel. 5561-5287. Seg. a qui.: 12h às 15h e 19h às 0h. Sex.: 12h às 15h e 19h às 1h. Sáb.: 12h às 16h30 e 19h às 1h. Dom.: 12h às 16h30.
Emilia-Romanha
Essa região de comida rica, suculenta e famosa reúne alguns símbolos da cozinha italiana. O presunto de Parma, por exemplo, feito do porco que se alimenta com castanhas e soro de leite da sobra da produção do queijo parmesão.
O próprio parmigiano-reggiano, curado por pelo menos 12 meses, cuja base é o leite de vacas que comem ervas da região.
O vinagre balsâmico, uma redução concentrada de uvas brancas, envelhecido por mais de doze meses.
O lambrusco, vinho frisante doce de uvas tintas.
Das receitas emblemáticas, o ragu bolonhês, geralmente servido com tagliatelle, surge em destaque. No Più, na unidade do shopping Iguatemi, Marcelo Laskani propõe uma versão autoral, que combina carnes potentes —ora em pedaços, ora moídas.
O blend, que conjuga língua, linguiça de javali e bochecha de porco, incrementa o molho de tomate e vinho tinto para acompanhar o maltagliati, aquela massa "mal-cortada", com pedaços que diferem em forma e tamanho. Recebe, na finalização, um rosbife de bochecha cortado bem fininho.
No mesmo restaurante, o presunto cru é muito bem tratado, cortado à faca e servido sem firulas. Pode compor, ainda, um sanduíche de pão no vapor com alface romana e maionese de café.
No recém-inaugurado Osteria Nonna Rosa, o chef e empresário Rodolfo de Santis homenageia a "cucina della nonna". Faz referência às avós o taglieatelle ao sugo de costela, vigoroso e aconchegante.
Più - Shop. Iguatemi. Av. Brig. Faria Lima, 2.232, Jardim Paulistano, tel. 3198-7649. Seg.: 12h às 15h e 19h às 22h. Ter. a qui.: 12h às 15h e 19h às 23h. Sex.: 12h às 15h30 e 19h às 23h. Sáb.: 12h às 16h30 e 19h às 23h. Dom.: 12h às 16h30 e 19h às 21h.
Osteria Nonna Rosa - R. Padre João Manuel, 950, Jardins, tel. 2369-5542. Ter. a qui.: 19h às 24h. Sex. e sáb.: 12h às 16h e 19h a 0h. Dom.: 12h às 17h.
Sicília
Maior ilha do Mediterrâneo, foi um território que sofreu dominação de vários povos, e isso se reflete na diversidade de sua cozinha, de sabor autêntico, cujo eixo são os peixes carnudos e vegetais viçosos —tomate, brócolis, abobrinha, berinjela.
As receitas são geralmente feitas a partir de ingredientes simples e locais. Há forte presença de frutas cítricas em sorvetes ou cristalizadas e laticínios com leite de cabra e ovelha.
Um grande painel de azulejos na parede do Nino Cucina, a primeira casa do italiano Rodolfo de Santis, traz a imagem de uma fazenda típica do sul —mesa farta, azeite, tomate, berinjela, limão-siciliano, vinho.
O cardápio, ainda que tenha intervenções autorais e modernas, conserva clássicos sicilianos, como o arancini (bolinhos de risoto frito) e os cannoli, aqueles canudos de massa sequinha e crocante.
No Taormina, batizado com o nome de uma cidade da costa leste da ilha, há 20 anos a receita que ocupa o centro das atenções é o ditalini alla norma, feita desde os primórdios pela proprietária, Helena Maria Zamperetti Morici, 77.
A massa se assemelha a um pequeno tubo, curto, e é envolta em um molho de tomate com manjericão, cubinhos de berinjela na chapa, ricota seca defumada e azeite extravirgem. Sobre ela, polvilha-se farinha de pão italiano, com pinole e uva passa —"para comer de colher, como os mafiosos", diz a chef aos risos.
Nino Cucina e Vino - R. Jerônimo da Veiga, 30, Jardim Europa, tel. 3368-6863. Seg. a qui.: 12h às 15h e 19h às 24h. Sex.: 12h às 16h e 19h à 1h. Sab.: 12h às 17h e 19h à 1h. Dom.: 12h às 20h.
Ristorante Taormina - Al. Itu, 251, Cerqueira César, tel. 3253-6049. Seg. a sex.: 12h às 15h. Sab. e dom.: 12h às 16h.
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