Descrição de chapéu Descubra sãopaulo 2020

Bom Retiro recebeu ao menos cinco ondas de imigrantes no último século

História dos estrangeiros no bairro de São Paulo começa com os italianos, na década de 1890

São Paulo

Contar a história do Bom Retiro e de como a diversidade étnica se tornou a principal marca desse pedaço da região central da capital é recordar a industrialização e a urbanização de São Paulo e também rememorar guerras, revoluções e crises econômicas mundo afora. Tudo pela ótica dos grandes afetados por esses acontecimentos: os imigrantes.

As três trajetórias —do bairro, da cidade e dos estrangeiros— se cruzam no fim do século 19. O ciclo do café pode ser o ponto de partida. Em 1850, 40% da produção mundial do fruto saía do Brasil, segundo o Ministério da Agricultura. O dinheiro vindo da venda das sacas ajudaria a fomentar o nascimento da indústria paulista, inicialmente nos bairros Bom Retiro, Brás e Mooca.

Um dos barões do café, Joaquim Egídio de Sousa Aranha, o marquês de Três Rios, natural de Campinas, era proprietário de uma fazenda na capital, a chácara Bom Retiro, usada para o lazer de sua família.

Isso até 1880, quando ele decide lotear a fazenda, de olho nos ganhos com a venda de terrenos para a construção de casas aos trabalhadores da indústria —contingente formado, em sua maioria, pelo primeiro maciço grupo de imigrantes a chegar a São Paulo e, portanto, a se estabelecer no Bom Retiro: os italianos. É o grande pontapé para o surgimento do desenho atual do bairro.

As vontades do marquês de Três Rios podem ser explicadas pelas mudanças ocorridas na cidade (e também no país) no movimentado período que vai de 1850 a 1890.

Em 1867, é inaugurada a linha de trem que ligava Jundiaí a Santos, com uma parada em São Paulo, numa versão do que é hoje a estação da Luz. A rota, por um lado, facilitava a chegada à cidade dos imigrantes que desciam no porto e, por outro, incentivava a instalação de fábricas em terrenos vizinhos à linha ferroviária, na capital. No estudo “A Indústria no Estado de São Paulo em 1901”, Antonio Francisco Bandeira Jr. relata que, já em 1884, funcionavam no Bom Retiro uma tecelagem e diversas olarias.

“Quando os imigrantes não estavam destinados a trabalhar em alguma fazenda, acabavam ficando perto da estação, um dos primeiros lugares que encontraram no Brasil”, conta a antropóloga Simone Toji, do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Ela participou de um projeto da instituição que visava preservar a história e a cultura do Bom Retiro.

 

A vinda em massa dos italianos se deu do final do século 19 à década de 1930, de acordo com Simone.

Eles chegavam para suprir a falta de mão de obra (a escravidão foi abolida por aqui em 1888), num contexto que inclui a conturbada unificação da Itália, processo que se estendeu até 1870. Ainda hoje, a comunidade dá nome a uma rua do Bom Retiro (rua dos Italianos). Segundo o Arquivo Histórico Municipal de São Paulo, até 1916, essa via era habitada quase exclusivamente por membros dessa comunidade.

De acordo com levantamento de 1893 da Repartição de Estatística e Arquivo do Estado, a cidade tinha, na época, 130 mil habitantes, sendo mais da metade (54,6%) estrangeiros, escreve Roberto Pompeu de Toledo em seu clássico “A Capital da Vertigem - Uma História de São Paulo de 1900 a 1954”.

Nos anos seguintes a esse censo, outros grupos chegariam ao estado, à cidade e ao bairro. Na década de 1910, segundo Odair da Cruz Paiva, professor do departamento de história da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e doutor em história social, foi a vez dos japoneses, em menor número, destinados a colonizar o Vale do Ribeira (litoral Sul de São Paulo), e de sírios e libaneses, que exerciam a atividade de mascate e se fixaram no Bom Retiro, entre outras áreas.

Em meados dessa mesma década, o bairro crescia, abrigando, além de indústrias, pequenos empreendimentos, como padarias, lojas de calçados e fábricas de macarrão.

O microcosmo de 4 km² da região (sua área atual), então, sentiria o abalo causado por duas guerras mundiais e uma revolução.  

A Primeira Guerra (1914-1918) seria a responsável pela chegada à cidade, a partir de 1920, de mais europeus, do norte, do leste e do centro (alemães, poloneses, austríacos e outros). A eles se somavam os russos, que escapavam da queda da monarquia no país e da tomada do poder pelos bolcheviques. Entre esses imigrantes, muitos eram judeus

Com a ascensão de Hitler, em 1933, e a Segunda Guerra (1939-1945), o fluxo dessa comunidade para o Brasil só aumentaria.

Segundo o professor Odair, da Unifesp, os destinos prioritários para judeus nas Américas eram os Estados Unidos e a Argentina (na época, Buenos Aires era uma cidade mais desenvolvida). Aqueles que vieram a São Paulo acabaram se estabelecendo no Bom Retiro por causa dos terrenos baratos —afinal, era um bairro operário e central.

Hoje, as marcas desses imigrantes na região vão além das sinagogas e dos nomes de algumas ruas. Eles são responsáveis, conta Simone, do Iphan, por inaugurar na área o modelo de produção de roupas em pequenas unidades, sistema que seria levado à frente pelos coreanos, a partir dos anos 1960.

Em 1934, o cenário nesse pedaço do centro era o seguinte, segundo um censo estadual: um terço da população era formada por italianos e a eles se uniam portugueses, espanhóis, alemães, austríacos, húngaros, russos, japoneses e sírios. Os dados estão no artigo “Etnias em Convívio: o Bairro do Bom Retiro em São Paulo” (2001), de Oswaldo Truzzi, doutor em ciências sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Nesse ponto, é possível pular algumas décadas e chegar ao próximo grande movimento migratório, o dos coreanos, nos anos 1960. Com as suas confecções, hoje eles são a cara da área. Segundo a Câmara dos Dirigentes Lojistas, 80% das 2.500 empresas do Bom Retiro são comandadas pelos orientais.

O êxodo dos asiáticos tem dois motivos: a guerra (1950-1953) que dividiu a península e o período ditatorial dos anos seguintes.

Ainda assim, definir o Bom Retiro como coreano é “reduzir o bairro”, afirma Benjamin Seroussi, diretor da Casa do Povo, centro cultural fundado por judeus progressistas nos anos 1950. Nascido na França e morador do Brasil há 15 anos, ele diz que é nesse pedaço da cidade onde se “sente menos estrangeiro”. “É um dos bairros mais cosmopolitas da cidade. Você ouve duas ou três línguas sem mudar de calçada”, diz.

Uma delas é o espanhol, com um sotaque latino-americano. Bolivianos, em maior número, começaram a chegar à região, em uma nova onda, a partir dos anos 1980, para trabalhar em oficinas de costura, na maior parte dos casos em condições precárias. Hoje, alguns são donos de suas próprias confecções e “estão se dando muito bem”, conta a designer Rosana Camacho, presidente da Associação de Residentes Bolivianos. 

Passeio pelo bairro

​​Pho 366
Ok, você está no Bom Retiro, bairro com oferta gigantesca de comida coreana e do Oriente Médio. Mas a região também abriga uma casa de gastronomia vietnamita, ainda pouco presente na cidade. Que tal? No Pho 366, o destaque é, bem, o pho (algo como um lámen do Sudeste Asiático que leva macarrão feito com arroz). A versão mais tradicional, com fatias de peito bovino, sai por R$ 45 (tamanho médio, suficiente para alimentar a maior parte dos seres humanos).

R. Silva Pinto, 366, tel. 3807-6141. Seg. a qui.: 11h30 às 15h e 17h30 às 20h. Sex.: 11h30 às 15h e 17h30 às 21h. Sáb.: 11h30 às 16h e  17h30 às 21h.

Café Bonavinte
Coreanos são obcecados por cafés —tanto pela bebida quanto pelos espaços, ou seja, pelo ritual de sentar e deixar o tempo passar. No bairro, a comunidade abriu vários deles. 
No Bonavinte, dá para descansar do caos da rua e tomar um expresso (R$ 5) ou um latte de flor de cerejeira (R$ 18).

R. Três Rios, 245, Bom Retiro, tel. 3326-7257. Seg. a sáb.: 7h30 às 20h30.

Supermercado Otugui
Reserve algumas horas para “perder” no Otugui, especializado em produtos da Coreia. 
Há seções dedicadas ao macarrão instantâneo (uma das favoritas entre os coreanos), bebidas (a garrafa de soju, destilado típico, sai por R$ 19,50) e salgadinhos.

R. Três Rios, 251, tel. 3326-1419. Seg. a sex.: 8h às 20h. Sáb.: 8h às 19h30. Dom.: 8h às 15h.

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