Descrição de chapéu Análise Cenários 2019-2020

Violência do discurso de políticos escorreu nas ruas em 2019

Falas truculentas de Bolsonaro, Witzel e Doria ressoam nos becos, esquinas e presídios

Ágatha, 8, estava em uma kombi. Gustavo, 14, estava em uma festa. Kethellen, 5, ia para a escola. E há Denys, Luara, Gustavo, Dennys, Marcos Paulo, Gabriel, Mateus, Bruno, Eduardo, Davi Gabriel, Kauê, Kauan, Jenifer. Alguns morreram com bala da polícia. Outros, com bala do tráfico. E há os que foram encurralados em um beco por policiais e, supostamente, pisoteados.

Contadas as lápides de inocentes, o Brasil não tem o que celebrar no campo da segurança pública. E há muito não tem tido.

Poderia ser diferente. Após marcar o recorde de 31,6 mortes violentas para cada 100 mil habitantes em 2017, o número de homicídios no país vem caindo há 20 meses de forma contínua, segundo números dos governos e de instituições que monitoram a violência —os dados para este ano ainda não estão disponíveis.

A sensação de insegurança, no entanto, não melhorou: segundo a aferição mais recente do Datafolha, feita neste mês, 13% dos brasileiros apontam a segurança como o principal problema do país (empatada com educação, citada por 14%, e atrás de saúde, mencionada por 19%) nesse ínterim. 

Na mesma pesquisa, 46% avaliaram como ruim ou péssima a performance do governo Jair Bolsonaro na área, alvo de promessas que ajudaram a catapultar sua eleição. Dessas promessas, porém, pouco saiu do papel —o que talvez não seja má notícia. 

O decreto para flexibilização da posse e do porte de armas, rejeitado por 70% da população, acabou transformado em projeto de lei, fatiado, e por ora teve apenas a extensão do porte em áreas rurais aprovada. O pacote anticrime do ministro Sérgio Moro é uma visão pálida do que se pretendia; e o temerário excludente de ilicitude, ideia bolsonarista que exime policiais que matem sob “escusável medo ou violenta emoção” de responder à Justiça, paira no limbo.

Se as ações foram freadas ou patinam em falso, o mesmo não se pode dizer das palavras. São elas, aliás, que ajudam a explicar a longa lista de nomes que abre esse texto, que poderia seguir por mais vários parágrafos.

No Rio de Janeiro, a polícia nunca matou tanto, e os cadáveres deixados por ela neste ano já equivalem a 1 em cada 3 mortes violentas no estado.

Em São Paulo, essa contagem de corpos saltou 11,5% no primeiro semestre, se comparado com o mesmo período do ano anterior. Nos dois estados, assim como no nível federal, planos mais abrangentes para lidar com a criminalidade não vieram à luz, e permanecem no escuro, também, os investimentos em novos presídios pelo país ou em inteligência policial.

O discurso truculento amplificado nos palanques não só por Jair Bolsonaro como pelo governador fluminense, Wilson Witzel (“mirar na cabecinha”), e pelo paulista, João Doria (“que ele [bandido] vá para o cemitério”), pode até andar mais contido nos palácios, mas seu eco ainda ressoa nas ruas, nos presídios do Norte e do Nordeste, nas vielas de Paraisópolis, nos becos do Fallet e do Alemão, entre os guardas da esquina. 

Os gritos da sociedade civil começam a se fazer ouvir. É preciso que se tornem mais fortes.

Luciana Coelho é editora de Cotidiano

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