A defesa da tortura e da ditadura, a famigerada excludente de ilicitude, o AI-5 condicionado a certas circunstâncias —como especularam general Augusto Heleno e Paulo Guedes—, a perseguição a um veículo de imprensa independente... O que isso tudo tem a ver com democracia?
Desmonte das políticas ambientais, agressão a valores afirmativos de minorias, formação de milícias digitais dedicadas ao assassinato de reputações, estímulo ao choque entre os Poderes, defesa aberta nas ruas e nas redes de um golpe de Estado... O que isso tudo tem a ver com estado de direito?
Aparelhos culturais e de defesa dos direitos humanos entregues a arautos da homofobia, do racismo, da misoginia, do machismo, do criacionismo e do terraplanismo... O que isso tudo tem a ver com o saber que civiliza o mundo?
Trata-se de uma falácia a inferência de que o esquerdismo que temos é só um outro extremismo, que se combina pelo avesso com este que ora dá as cartas. As balas perdidas que insistem em achar crianças negras no Rio me dizem que não. O massacre de jovens, também negros, na favela de Paraisópolis, em São Paulo, me diz que não. Se Jair Bolsonaro se chama, em certas circunstâncias, Wilson Witzel ou João Doria, tem igual perfume.
Se querem colocar o petismo e as esquerdas que temos como o outro polo das teses de Paulo AI-5 Guedes para a economia, vá lá. Com correções no receituário do ministro —que alimenta tentações obviamente demofóbicas—, tal geografia encontra amparo na realidade.
O PT e satélites seguem sendo um bom "outro lado" de convicções liberais. Basta ler as críticas feitas por um Lula livre à reforma da Previdência. Não é um desafio ao "neoliberalismo", mas à matemática elementar e à história. Afinal, a recessão que derrubou Dilma não caiu da árvore dos acontecimentos.
É fato, no entanto, que as escolhas petistas, inclusive as erradas, afastaram as tentações disruptivas de esquerda. Já a extrema direita torce por um Chile de dimensões continentais para roer a corda da democracia.
Uma discreta recuperação da economia está em curso. O crescimento, embora medíocre, se dá apesar dos vícios, não por causa deles. O Brasil que embrutece atrapalha o Brasil que cresce.
Não cometamos o erro de tolerar a política do ódio para supostamente proteger as migalhas do crescimento.
Não aceitemos o rancor que esteriliza os abraços —muito especialmente entre os que concordam em discordar.
À direita, à esquerda e ao centro, um convite: a Frente Ampla dos Conservadores da Democracia Contra o Ódio. E em favor dos abraços.
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