Descrição de chapéu Cenários 2019-2020

Emergência climática está contratada, mas não paga

Quando tivermos ideia de quanto ela custará em sofrimento e perdas econômicas, talvez comecemos a nos mexer

Crise do clima, emergência climática, greve pelo clima. Expressões de alarme com o futuro do planeta entraram no vocabulário do dia a dia, por quase toda parte (o Brasil é notória exceção), mas nunca a humanidade esteve tão longe de resolver o problema.

À medida que o tempo passa, fica mais difícil enfrentar a questão. A economia mundial deveria já estar diminuindo emissões de dióxido de carbono (CO2), e elas, na realidade, seguem em alta. Não há sinais de que venham a arrefecer no prazo necessário.

Chegou-se já à 25ª conferência sobre aquecimento global —a COP25, realizada no começo de dezembro em Madri— desde que se adotou a Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em 1992. A negociação internacional pouco andou desde então.

Ocorreu pequeno avanço em 2015 com o Acordo de Paris. O tratado fixava a meta de não ultrapassar limiar perigoso de 2ºC de aquecimento e, de preferência, ficar em 1,5ºC até o fim do século. Isso para evitar catástrofes como o desaparecimento de países insulares no Pacífico, ou milhões de flagelados fugindo das terras baixas de Bangladesh.

A má notícia é que a atmosfera da Terra já esquentou mais de 1ºC. A notícia péssima: mesmo que todas as nações alcançassem as metas de redução de emissões adotadas em Paris, ainda estaríamos a caminho de 3,2ºC de aquecimento. E a notícia pavorosa: vários países não vão cumprir suas promessas.

Parece impasse político, mas é um problema de física. O CO2 não vai embora só porque Donald Trump tirou os EUA, segundo maior poluidor climático, do Acordo de Paris, nem porque Jair Bolsonaro culpa as ONGs pela destruição da Amazônia, maior fonte de emissões de carbono do Brasil.

O CO2 fica lá por décadas, como se uma redoma permitisse a passagem da luz solar, mas não a dissipação de todo o calor acumulado abaixo dela. Os fenômenos climáticos extremos, que já estamos testemunhando, vão se multiplicar em força e número.

Por muito tempo se alegou que esse gênero de previsão era eivado de incertezas. Numa palavra, chutes, ainda que apoiados em modelos de computador que tentavam reproduzir um sistema para lá de complexo.

Quem comprou e regou essas sementes de dúvida, vendidas pelo setor de petróleo e por profissionais do negacionismo direitista, perdeu. O clima está mudando exatamente como previu a maior parte das simulações, algumas com meio século.

Especialistas já falam em pontos críticos de vários sistemas, que poderiam dar início a uma reação em cadeia realimentadora do efeito estufa: ressecamento da Amazônia, desaceleração da cadeia de circulação oceânica, derretimento do gelo no Ártico.

A crise climática está contratada, mas não precificada. Quando todos formarem ideia clara de quanto ela vai custar em sofrimento e perdas econômicas, aí talvez comecemos a nos mexer para não pagar ainda mais caro e a trabalhar duro para minimizar os danos. 

Marcelo Leite é colunista da Folha

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